quinta-feira, janeiro 05, 2006

Um país atrasado com manias de tecnológico

Capítulo 1
A história que vou contar é uma novela. Aposto que terá vários capítulos. Este é apenas o primeiro e a vítima sou eu. A cena passa-se com o nosso mui moderno serviço de impostos.
Fiz uma pausa de Natal numa cidade pequena que tem como todas uma repartição de finanças onde me dirigi para perguntar o que teria acontecido ao meu IRS de 2004 pois, até à data, não tinha recebido qualquer informação sobre reembolso ou pagamento, apesar de ter feito a entrega da declaração como manda a lei.

O funcionário dirigiu-se ao computador e abriu o meu processo o que em português se designa pelo bonito nome de cadastro. Advinhava-se sarilho pois "a nota de liquidação" (termo oficial para a dita informação), tinha sido emitida e enviada para a minha morada, logo se não tinha sido recebida, algum problema haveria. Entretanto, estava em curso a emissão de uma certidão de dívida pois devia ter pago o imposto até final de Outubro e o atraso já era grande. Fui aconselhada a dirigir-me de imediato à "minha" Repartição de Finanças.
O imediato foi ontem dia 4 de Janeiro deste Novo Ano, depois de terminadas as mini-férias e logo que a azáfama do regresso me permitiu. Assim fiz como boa cidadã e na tentativa de resolver de imediato o problema e pagar a dívida pois era disso que se tratava e não de reembolso, para meu azar.

Com facilidade recuperei a dita carta que tinha entretanto sido devolvida aos serviços por um carteiro super profissional e fiquei a saber a razão para esse facto. A minha morada estava incompleta porque no envelope não constava o número do andar onde vivo
pelo menos 14 anos. O carteiro considerou o endereço insuficiente e devolveu a carta. Não vou comentar esta atitude apesar de no prédio existir uma porteira que é a mesma há pelo menos dez anos. Enfim azares de quem vive na cidade grande, desumanizada, etc.etc... com carteiros burros mas muito profissionais.
Interessante é que a dita falha existe apenas no envelope e não no ecrã do computador onde tudo está nos conformes. Para quem conhece um pouco o funcionamento de computadores não é difícil adivinhar o que terá acontecido ao número do andar. A impressora comeu! porque o papel foi mal colocado ou porque o comprimento do ecrã (campo morada no programa de base de dados) é muito grande quando comparado com a mancha da folha onde se realiza a impressão. Coisa simples e lógica para pessoas medianamente inteligentes. O problema teria uma resolução fácil e que seria por exemplo:
1. um funcionário inteligente que de imediato lhe pediria desculpas pelo transtorno causado pelo malandro do computador!Afinal, minha senhora, teve de se deslocar à repartição em vez de receber comodamente a informação em casa e na data certa, sem preocupações .
2. a solicitação de que regularizasse a situação se possível de imediato, de acordo com a sua disponibilidade financeira e sem encargos adicionais, como era óbvio, já que acabava de ter uma despesa com a qual não contava e, enfim, a pronta solução do problema para as duas partes.
Queriam esta versão?
Claro que não a têm. É que assim não existiria novela e este país não se chamava Portugal.
Nem pensar!!
Então qual foi a cena seguinte?
1. uma secção chamada "execuções fiscais" com um funcionário carrancudo e extremamente antipático e uma contribuinte a solicitar formalmente informações sobre o processo e a perguntar como pode reclamar.
2. o dito funcionário muito irritado dizendo-lhe que não pode reclamar pois não vai conseguir nada
3. uma contribuinte que pergunta de forma irónica mas tentando manter-se educada se o país onde vive não se diz democrático há 30 anos mas ao mesmo tempo concordandp com o "não vai conseguir nada" pois não há sistema de justiça o que é uma óbvia contradição com o termo "democrático". Mas, enfim, ao menos que lhe seja permitido meter mais um papel para alimentar a engrenagem de um sistem que vive deles e que os adora.
4. um funcionário que ordena à contribuinte que vá a outra secção saber a data em que a morada foi alterada no computador
5. uma contribuinte que pergunta se não é possível ser ele a falar com o colega sobre isso;
6. um funcionário que diz um redondo não;
7. uma contribuinte a obedecer dirigindo-se à dita secção com uma primeira funcionária que, adivinhando a complicação, lhe diz que se calhar não é ali. É uma estratégia também muito comum. O despachar a "palhinha" quando se adivinham casos difíceis mas que enfim, lá se decide a chamar um outro colega;
8. um funcionário que se esforça e que consegue a informação e que se dirige comigo às execuções fiscais para levar os dados ao colega. Estes funcionários também existem ainda e às vezes são os salvadores dos cidadãos. Ás vezes por mero acaso encontramo-los e somos menos esmagados pela máquina, é menos doloroso.
9. o funcionário carrancudo a balbuciar que então faça um requerimento ao chefe do serviço mas virando quase de imediato as costas e afastando-se. Ou seja, meta lá o papel mas não por minha vontade!
10. uma contribuinte que perde o resto da tarde a elaborar uma carta com duas páginas para enviar no mesmo dia registada e com aviso de recepção ao dito chefe. Que falha todos os seus compromissos profissionais. A contribuinte é também funcionária do sistema num outro ministério.
A carta seguiu ontem à noite. Falta ainda enviar outras, pois resolvi dar conhecimento da história
ao Director dos serviços centrais, ao Director Geral dos Impostos e, ainda, ao Provedor de Justiça.
Uma amiga que já passou por coisa semelhante aconselhou-me ainda a voltar hoje à dita repartição para tentar pagar o valor do imposto em dívida e parar o débito dos juros por atraso no pagamento. É isso que irei tentar fazer amanhã perdendo mais uma tarde de trabalho. Aí terá certamente início mais um capítulo da novela.
Querem tentar adivinhar algumas cenas do próximo capítulo?
(continua)



6 comentários:

Desambientado disse...

Parece mentira, mas acabei de passar pelo mesmo há pouco tempo atrás.

Recebi uma carta das finanças relativa a uma dívida da minha mãe, que faleceu há três anos.
A carta datada de 27 de Outubro, posta no correio em Lisboa a 28 de Outubro, dizia que tinha que saldar a dívida (com juros) até 30 de Outubro, no Domingo seguinte. Se não o fizesse teria que pagar mais juros.
Ridículo: informarem-nos de uma situação numa Sexta-feira, para resolvermos tudo até ao Domingo. É ni mínimo surrealista. Pior, essa carta nunca tinha chegado ao destino porque os meus dados nas Finanças estavam imcompletos, ou seja a direcção não estava completa.
Achei estranho e exigi que abrissem o meu cadastro, à minha frente, e lá estava tudo, inclusivé a direccção completa.
Tive que pagar a multa, os juros dos atrasos e só seria reembolsado em tribunal....Este País é incrível...

TF disse...

Felix
Pois é! este país não existe! O estado passa a vida a roubar-nos para se alimentar e às suas clientelas!!
Já calculava que não seria caso único neste tipo de erro. É claro que se trata de um problema do sistema informático e de certeza muitas pessoas têm sido vítimas disto!!
O que me preocupa não é existir um erro informático, o que num qualquer país civilizado seria resolvido de imediato com um pedido de desculpas e sem qualquer encargo para o contribuinte ou se calhar até com uma indeminização. O problema é o sistema servir-se deste tipo de coisas para extorquir dinheiro às pessoas e achar que nós contribuintes é que somos burros e uma cambada de faltosos e incumpridores dos nossos deveres fiscais.
Vamos ver o que irei conseguir neste caso mas acho que não estou disposta a pagar por uma coisa tão rídicula! Por enquanto consegui saldar a dívida apenas do imposto e deixei a reclamação nas mãos do chefe do serviço de finanças. O processo está ainda a decorrer e adivinho que tenho romance para muitos meses.
Teresa

Desambientado disse...

Pois é Teresa, mas não te esqueças que se perderes tempo com o Estado, não o vais conseguir moralizar, no entanto o Estado não terá qualquer preocupação contigo, no que respeita a processar-te?! Porque não lhe custa ganhar o dinheiro e porque quem decide acha que omal está sempre no outro lado.

TF disse...

Tens razão. Não tenho qualquer esperança em conseguir moralizar o Estado e vou tentar não perder muito tempo mas as situações de injustiça irritam-me profundamente e este é um dos casos! Ainda por cima estão a ir-me ao bolso!!

Anónimo disse...

Eu também tenho algumas histórias com as finanças, uma delas é muito parecida com esta.
Uma carta que não foi entregue levou a que as Finanças me hipotecassem todas as contas bancárias. A dívida era enorme: 170 euros.

Mas será que não podemos fazer nada? De quem é o estado? Quem desconta todos dias mais de metade do ordenado?
Uma grande parte para pagar ao "big" do estado. Os nossos antepassados estiveram presos antes de aparecer o 25 Abril.
Agora somos escravos desses indivíduos, apesar de não darmos por isso. A união faz a força!
É preciso que a luta comece, para acabarmos com a escravatura do nosso tempo!

TF disse...

Agradeço o comentário de anónimo e concordo completamente consigo.
Já agora digo-lhe como ultrapassei a questão. Recusei-me a pagar os juros de mora e reclamei de imediato, muito embora o funcionário que me atendeu tenha tentado dissuadir-me disso de uma forma nada simpática mas que não conseguiu intimidar-me. Além de reclamar para os serviços de finanças e não só para aquela repartição fi-lo também para o Provedor de justiça. Claro que perdi tempo a escrever umas tantas cartas e gastei algum dinheiro a enviá-las com aviso de recepção, mas não há outra forma! Considero que nos cabe a nós cidadãos uma atitude activa para que as coisas mudem! As coisas acabaram bem para o meu lado e o processo foi arquivado. Gostei, por exemplo, da forma como a Provedoria de justiça agiu e a rapidez e eficiência com que o fez, há que reconhecê-lo e não terei dúvidas em voltar a recorrer aos seus serviços se precisar.
Agora devo também a crescentar que para mim que tenho uma boa capacidade de escrita foi fácil agir desta maneira mas não posso deixar de considerar ser um problema no nosso país o facto de só serem aceites e válidas as reclamações feitas por escrito. Num país com o nível de iliteracia como o nosso é uma forma de discriminação e de injustiça que também tem de mudar.Claro que este facto faz diminuir o número de reclamações e alimenta o faz de conta de que tudo funciona bem porque o número de reclamações é pequeno. Por outro lado mascara-se a democracia porque diz-se que o cidadão até pode reclamar a questão é quais são as ferramentas que tem para o fazer!